Cultura de Estupro em Angola

Elizabeth Queta
4 min readJun 3, 2019

Cultura de Estupro è um termo utilizado para descrever um ambiente na qual o estupro é predominante e no qual a violência sexual contra as mulheres é normalizada na mídia e na cultura de uma sociedade. Isso inclui a culpabilização da vitima, assedio sexual, e desrespeito ao “não”.

Em Julho de 2015, enquanto sentada na cantina de fora da Universidade Metodista no campus da mutamba, (quem já lá esteve sabe de que cantina estou a falar), uma senhora na faixa etária dos 30 anos se não me engano, decide dar a sua opinião(para já não solicitada) sobre o meu vestido.

O vestido acima è o vestido em questão, um vestido normal pouco acima do joelho. Elogiou os meus sapatos e prosseguiu em me dizer o quão sensual eu estava(na qual eu agradeci, cause we are bringing sexy back).

Mas, o comentário dela carregava um ar de julgamento e superioridade. Superioridade vinda do moralismo, por se achar mais santa que eu, pelo simples facto de estar vestida de forma mais decente(pelos olhos da sociedade Angolana). Ela, de forma muito descarada, diz-me que se um homen tentasse pôr as mãos por baixo do meu vestido eu não podia reclamar, porque obviamente estava a pedir.

Dezembro daquele mesmo ano, eu voltei a ir de férias em Luanda. Enquanto navegava no Facebook, uma tia minha vê a foto de uma moça, que segundo ela estava vestida de forma indecente, e prossegue em dizer que ela não podia possivelmente pensar em sair vestida daquela forma se ela não estivesse “ a pedir”.

O mais chocante foi como ela foi capaz de fazer uma comparação com a sua própria filha, ao dizer que se fosse a filha dela vestida desse jeito, com o corpo dela, ela não podia queixar-se na eventualidade de estupro, porque ela estava a pedir. 3 anos depois, ela mudou de mentalidade graças a Deus.

“Só para esclarecimento, “estar a pedir”, é um termo usado na eventualidade ou possível eventualidade de estupro ou outras formas de assédio sexual para culpabilizar a vítima e vitimizar o culpado”.

Mas essas histórias, são histórias de muitas mulheres Angolanas, que crescem com medo do próprio corpo porque qualquer ataque externo contra o SEU próprio corpo é visto como sua culpa. E depois quando assediadas, não conseguimos buscar refúgio nem mesmo nas nossas famílias porque, são os primeiros a nos culpar. Mas então as mulheres que foram violadas com calças e vestidos compridos, ou então a menina de 9 anos, que foi violada pelo próprio pai em sua própria casa? Ou a criança de 2 anos, que foi violada pelo tio. O que podiam essas crianças tar a vestir que seduziu tanto os seus agressores? estavam elas de tchuna baby tão curto que sugeria que elas estariam a pedir para serem estupradas, ou será que foi o decote delas?

A verdade é que o estupro ou qualquer forma de abuso ou assédio sexual está enraizada em poder. Em que alguém(estuprador) sente-se intitulado e com poder sobre o corpo da vítima.

Nota-se o quão grave a cultura de estupro e em Angola pela forma na qual normalizamos relações entre menores e adultos. Meninas de 13, 14, 15 anos em relações com homens de 20 e tal anos, nunca recebem apoio, e os homens nunca são repreendidos.

O nível de manipulação utilizados por esses mesmos homens com mais experiência para atrair e manter relações com miúdas sem capacidade mental, emocional ou física para consentir ao sexo nunca è questionado. Muito menos a forma na qual essa normalização infiltrou-se não só na rotina diária com expressões como “manga de 10” (que a meu saber, è uma expressão que originou para descrever os seios de uma adolescente, que depois evoluiu para descrever novinhas, ou menores de idade).

O assédio sexual que as mulheres Angolanas enfrentam nas ruas tornou-se parte da nossa cultura .Eu até perdi conta das inúmeras vezes que fui assediada sexualmente nas ruas de Luanda. Palavras, gestos, assobios, e muitas vezes até mesmo toques com intuito de chamarem a tua atenção.

Esse aspecto da nossa sociedade transcende hábitos do dia a dia, e infiltrou-se atè em canções que nem “xe novinha baixa mais um pouco” do Preto Show.

O Preto Show è um homem na faixa etária dos 20(ou trinta atè se calhar), porque motivos vai ele querer que uma novinha( menor de idade) “ baixe mais um pouco?

Vocês devem tar a dizer que não, tas a levar isso muito a sério, que na realidade é só uma música. Mas não, as músicas servem como reflexo da sociedade. Qualquer criação artística, ou è uma reflexão dos tempos passados, atuais ou baseados no futuro. Não estou a dizer que o Preto Show é o autor dessa epidemia, mais sim o produto de uma sociedade que normalizou isso de tal forma, que nos permite dançar a músicas de homens a gabarem-se da sua pedofilia sem nenhuma repercussão pelos seus atos.

--

--